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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Habitação: "Conceito de moradia popular reforça segregação"

Para Elisabete França, ex-secretária de Habitação de SP, padronização ignora a pluralidade das famílias de baixa renda.
por Paloma Rodrigues  publicado 22/10/2013 04:36, última modificação 22/10/2013 17:14
 
Políticas de moradia consagradas no País, de construções padronizadas e de larga escala, podem reforçar a segregação dentro das cidades. O alerta foi feito pela arquiteta Elisabete França, responsável pela Secretaria de Habitação da prefeitura de São Paulo, no governo Gilberto Kassab (PSD), durante seminário internacional do núcleo USP Cidades, no início de outubro.
Modelo de casas da Companhia de Habitação Popular d
e Curitiba construído na cidade de Curitiba
“As pessoas falam de moradia de interesse social, que são mais baratas, mas isso não tem sentido. Não existe cidadão de primeira e segunda categoria”, diz ela a CartaCapital. França faz parte de um movimento que contesta a política de moradia com estrutura rígida e em grande escala.
A iniciativa da USP tem como lema “reunir conhecimento e compartilhar práticas urbanas”. A ideia é reunir especialistas de grandes cidades de todo o mundo para debater suas experiências. Neste primeiro encontro, o coordenador do African Center for Cities, Edgar Pieterse, apresentou os revezes obtidos pelas políticas habitacionais na África do Sul no período pós-apartheid.
A política para a garantia de moradia para a faixa mais pobre da sociedade sul-africana iniciou-se em 1994. Desde então subsidiou 3,6 milhões de casas populares e construiu e entregou mais 2,4 milhões, números expressivos para uma população de 44 milhões de habitantes. O contraponto da questão foi o modelo das casas populares construídas pelo governo. “Isso [o programa de construção de moradias] foi incrível, realmente significante. O problema foi que, ao mesmo tempo em que essa foi uma das maiores e mais ambiciosas políticas habitacionais do mundo, o efeito social e, principalmente, o efeito econômico que se sentiu foi que a segregação se agravou ainda mais”, disse Pieterse.
Na prática, o modelo das casas populares construídas pelo governo não se diferenciava do modelo das casas de baixa renda construídas na década de 50 e 60. Arquitetonicamente, as semelhanças estão claras, com casas de alvenaria, simples e um andar único. “Em um sentido muito macabro, nós reproduzimos, em alguns sentidos, a imaginação que tínhamos das casas populares e de baixa renda.”
Apesar de apresentar um contexto político muito diferente do brasileiro, com o legado do regime do apartheid influenciando diretamente às discussões em torno das políticas públicas, os projetos sociais para a inclusão da população de baixa renda são, há mais de duas décadas, o carro chefe do governo sul-africano.
“Mesmo que uma casa custe um pouco mais na construção, porque você vai realizar um trabalho integrado, você vai evitar o que a gente tem vivido no Brasil”, afirma. Ela aponta as moradias construídas pelo Banco Nacional da Habitação (BNH) como um plano que fracassou em utilizar os apartamentos construídos para incluir aqueles moradores dentro de seus bairros e, de uma maneira mais ampla, dentro da cidade.
“Foram construídos milhões e milhões de apartamentos de baixa qualidade nas periferias e hoje o que a gente tem? Cidade de Deus, Cidade Tiradentes... Onde todos os espaços públicos viraram favelas e reproduzem a segregação.” O projeto também foi oneroso para o Estado, pois o obrigou a gastar milhões em obras. “O setor público teve que gastar rios de dinheiro para levar transporte público até lá. Até hoje não conseguiu levar trabalho. Então, quando você faz essa equação, você vê que o custo é muito mais caro”.
Para Elisabete, é preciso que se mude a visão que a sociedade civil tem dos beneficiados em projetos sociais. “No País, pensa-se que as moradias populares têm que custar um limite de 70 mil reais, não pode ter mais do que 50 metros quadrados...Como se todas as famílias de baixa renda fossem iguais”, aponta.
Sobre a crítica que se faz em relação à especulação imobiliária, ela afirma que é um discurso elitista. “O discurso de que bons projetos de arquitetura de qualidade resultam em especulação imobiliária e mais segregação é extremamente elitista. Vê os mais pobres como incapazes de decidir sobre suas vidas”, diz ela. “Ou seja, (o lema é) vamos produzir moradias baratas e distantes, porque assim os mais pobres não vão vender e vão ficar ali.”
A solução, no seu entender, é levar moradias de qualidade para as regiões onde as famílias já moram. “As pessoas que fazem esse tipo de crítica não têm a menor noção das redes sociais que os moradores das áreas mais pobres constroem, dado o seu alto índice de vulnerabilidade social”, afirma. "Foi o que tentamos fazer, durante o governo, em Paraisópolis, porque as pessoas já trabalhavam ali, iam a pé para o serviço. Por que deslocá-los? O que é preciso fazer é tornar aquela região um bairro da cidade."
Ela afirma que cabe às prefeituras tentar se integrar ao programa federal Minha Casa, Minha Vida de uma maneira que não se estabeleçam regras rígidas, como metragem e tipologia. "A Secretaria de habitação de São Bernardo está fazendo uma investida nesse sentido, Barueri também está. Eu acho que essa tendência vai se espalhar", aposta.
Fonte: Carta Capital

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