(foto) Manifestação das Mães da Praça de Maio |
“Ao fim a justiça!”, gritaram em uníssono centenas de manifestantes que escutaram em uma tela gigante o veredito dos juízes do Tribunal Federal Cinco que, em uma resolução histórica, condenou à prisão perpétua figuras emblemáticas da última ditadura (1976-1983), como os ex marinheiros Alfredo Astiz, Jorge Tigre Acosta, Ricardo Miguel Cavallo, e outros, por crimes de lesa-humanidade perpetrados no Centro Clandestino de Detenção da Escola de Mecânica da Armada (Esma).
Por Stella Caloni*
Receberam a mesma pena Julio César Coronel, Jorge Rádice, Adolfo Donda, Antonio Pernías, Raúl Scheller, Alberto González, Ernesto Weber, Néstor Savio e Antonio Montes.No entanto, Manuel García Tallada e Juan Carlos Fotea receberam uma pena de 25 anos; Carlos Octavio Capdevila, 20 anos, e Juan Antonio Azic, que tem julgamentos pendentes, 18 anos. Ao mesmo tempo, foi decidida a absolvição de Pablo García Velazco e Juan Carlos Rolón, que seguirá preso por outras razões em que está acusado de crimes de lesa-humanidade.
Dentro do tribunal a emoção eclodiu em gritos e choro; Mães, Avós da Praça de Maio e familiares dos desaparecidos na Esma se abraçavam com as testemunhas do caso, funcionários e integrantes de organismos de direitos humanos, políticos e sindicalistas.
Do lado de fora, os filhos de desaparecidos, netos recuperados, que estiveram nas mãos de alguns dos condenados, cantavam e choravam em um abraço interminável olhando a tela gigante que lhes devolvia o rosto impávido daqueles que alguma vez se sentiram donos da vida e da morte, e que em sua defesa nunca mostraram arrependimento e se consideram “heróis” de uma guerra suja na que, amparados pela impunidade ditatorial, sequestraram, torturaram, mataram e desapareceram com milhares de pessoas.
O clima de tensão vivido pouco antes do veredito, que demorou mais de duas horas para ser lido, foi substituído pela alegria, ainda que em alguns casos, como o de Azic, a condenação tenha sido inferior aos pedidos da acusação. Conjuntos musicais começaram um show no local, em meio à emoção generalizada que parecia crescer ao longo das horas.
Na manhã desta quarta-feira (26) em vários lugares próximos ao tribunal apareceram adesivos, em uma ofensiva dos acusados, que chamavam de “montoneros” [organização político-militar argentina que empreendeu uma luta armada, na forma de guerrilha urbana, entre 1970 e 1979] os membros do governo e se definiam a si mesmos como “perseguidos políticos”, apesar terem sido requeridos pela justiça de vários países.
No tribunal estavam Cecilia Pando, ativista em defensa dos acusados, e familiares destes.
Esse julgamento emblemático durou quase dois anos porque na Esma desapareceram unas cinco mil pessoas e foram poucos os sobreviventes do horror.
Sequestros da igreja de Santa Cruz
O Tribunal Oral Federal Cinco, integrado pelos juízes Daniel Obligado, Germán Castelli e Ricardo Farías, levou adiante este processo na chamada “megacausa Esma”; julgou desta vez 18 importantes repressores, por delitos cometidos contra 86 vítimas, em uma ação conjunta tomando os chamados testemunhos A, B e C, entre os quais figurou o sequestro de 12 pessoas da igreja de Santa Cruz.
Nesta operação, realizada entre 8 e 10 de dezembro de 1977, foram sequestradas três fundadoras das Mães da Praça de Maio: Azucena Villaflor de De Vincenti, Esther Ballestrino de Careaga e María Eugenia Ponce de Bianco, duass monjas francesas e outras seis pessoas.
Neste caso, um dos condenados é Astiz, que se infiltrou entre as mães fingindo ser filho de desaparecidos e foi tratado por elas com amor. Usou o pseudônimo de Gustavo Niño e foi quem entregou as vítimas. Beijou a todos os que seriam sequestrados (assim os marcou), quando estavam na igreja de Santa Cruz. Daí foram levados à Esma onde todos desapareceram.
As três mães e outras duas pessoas foram encontradas enterradas como NN [sigla para enterrados sem identificação] em um povoado na costa atlântica. Foram jogadas ao mar ainda vivas e as águas arrastaram seus cadáveres, que foram enterrados pelos moradores. Finalmente foram identificadas em 2005 pela equipe argentina de antropologia forense.
Voos da morte
Outro dos casos emblemáticos da Esma, é o do escritor e periodista Rodolfo Walsh, militante da organização Montoneros, que conseguiu escrever uma carta aberta à junta militar, que resultou em um documento histórico de acusação da ditadura.
Conseguiu enviar a carta da ilegalidade em que vivia e foi interceptado em uma rua por um grupo de tarefas em 25 de março de 1977. Ali o prenderam ferido, porque os enfrentou e depois, seu corpo foi visto por testemunhas na Associação dos Oficiais da Esma e nunca apareceu.
Sabe-se que milhares de presos desaparecidos nesse centro clandestino foram jogados vivos e drogados ao mar nos chamados “voos da morte”.
Os testemunhos foram dilacerantes e puderam identificar os responsáveis das torturas, assassinatos e desaparecimentos de pessoas de diversas idades, incluindo adolescentes e anciãos.
Crianças roubadas
Em outro julgamento foi considerado o caso das crianças roubadas, já que pela Esma passou uma grande quantidade de jovens que foram sequestradas grávidas e foram mantidas presas até o parto, depois do qual seus filhos foram roubados para serem distribuídos entre os próprios militares e amigos, ao passo que elas desapareciam.
Por isso, esta foi uma jornada histórica na grande luta por banir a impunidade do país e punir com a justiça, de forma responsável, os autores de crimes aberrantes cometidos durante ditadura, durante a qual, se calcula, desapareceram 30 mil pessoas. Há outros 70 acusados esperando julgamento pela Esma e por crimes contra outras 800 pessoas.
* Stella Caloni é jornalista, correspondente, na Argentina, do jornal mexicano La Jornada
Tradução: Vanessa Silva
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