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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Europa: de remendo em remendo, o brejo se aproxima


O novo nó da questão discutida na zona do euro está em determinar o quanto da dívida grega será cortada, ou seja, não paga. Em julho houvera um acordo prévio, de bastidor, em torno de 20%. Agora, Merkel fala em 50%, mas acredita-se que possa chegar até 60%. Os bancos, na maioria, teimam em dizer que não aceitariam mais do que 40%. O artigo é de Flávio Aguiar, direito de Berlim

Berlim - Quarta-feira (26) foi um dia de tensão Europa afora. Mais um, para ser preciso. As glândulas supra-renais, que secretam adrenalina, devem estar esgotadas de tanto trabalho.

O primeiro foco do dia estava em Berlim. Por determinação da Suprema-Corte alemã, o Bundestag (Parlamento Nacional) deve obrigatoriamente ser ouvido no caso de crises internacionais. Antes, ele apenas referendava ou não as propostas aprovadas na sede da União Européia, em Bruxelas. Agora ele deve ser ouvido antes do Executivo alemão levar alguma proposta para os fóruns internacionais.

A discussão, iniciada na terça-feira, focava o Fundo Europeu de Estabilidade Fincanceira, a possibilidade da recapitalização dos bancos, o que fazer com a dívida grega. Basicamente, a proposta alemã era levar a Bruxelas a idéia de que o Fundo deveria ser ampliado, passando de 1 trilhão de euros pelo menos, e que pudesse ser usado como uma espécie de “fundo de seguro” para investidores que desejassem comprar letras do tesouro de países em dificuldades, como a Grécia, Portugal, Irlanda e talvez no futuro, Itália e Espanha. A França de Sarkozy queria ir mais fundo: queria que o fundo pudesse agir como um banco, emprestando dinheiro diretamente a países e bancos em dificuldade, e também tomando empréstimos, por exemplo, do Banco Central Europeu. Ângela Merkel, sempre na retranca, não aceita a idéia: defende que o fundo, por exemplo, garanta um percentual – fala-se em 20 % ou mais – dos investimentos em questão, e que ele possa ser usado, de modo limitado, para fazer empréstimos a juros menores do que os de mercado a países em dificuldade tão somente.

No domingo, durante uma primeira rodada em Bruxelas, Merkel, aparentemente, levara a melhor sobre Sarkozy. Com apoio (conservador) da Holanda e da Finlândia (que querem poupar seus contribuintes de terem de “pagar” pelos “indisciplinados” países do sul, ela conseguira descartar, pelo menos de momento, o plano de Sarkozy. Infeliz, apesar de ter ganho um ursinho de Merkel como presente para sua filha recém nascida, Sarkozy descarregou sua frustração em cima do primeiro ministro britânico David Cameron, dizendo, diante das cobranças deste, que ele perdera uma oportunidade de ficar calado, e que deveria silenciar sobre o euro, já que não gostava dele. Isso num tom exaltado, como é o seu estilo.

Na segunda-feira, Cameron continuou com parte do mico da vez, ao enfrentar uma rebelião de seus pares conservadores no Parlamento britânico, que votaram (embora em minoria) a favor de uma proposta de realizar novo plebiscito sobre a permanência do país na União Européia. Dividindo o mico, Berlusconi, que ouvira muitas e boas de Sarkozy e Merkel em Bruxelas, inclusive risinhos de mofa enquanto falava, se enrolava em conversações com o presidente italiano Giorgio Napolitano e com o líder da aliada e reacionaríssima Liga Norte, Umberto Bossi, sobre a continuidade de seu desmoralizado governo. Bossi resistia em aceitar, como queriam Merkel e Sarkozy, o aumento da aposentadoria italiana para 67 anos, como é na Alemanha. Parece que ambos acabaram acertando um acordo: Bossi aceitou os 67 anos, mas somente a partir de 2026, e Berlusconi teria se comprometido a não disputar mais a reeleição em março de 2012. A ver.

O risco para Merkel era enfrentar rebeliões semelhantes em seu terreno, o que enfraqueceria seu papel na reunião de cúpula da Zona do Euro e da UE, que começou em Bruxelas na noite mesma de quarta.

O novo nó da questão está em determinar o quanto da dívida grega será cortada, ou seja, não paga. Em julho houvera um acordo prévio, de bastidor, em torno de 20%. Depois, com a divulgação de que nos bastidores todos – do FMI aos governos envolvidos – acreditavam que a Grécia não poderia mesmo pagar os 357 bi de euros que deve (160% do seu PIB anual), aquele número cresceu para pelo menos 40%. Agora, Merkel falou em 50%, mas acredita-se que possa chegar até 60%. Os bancos, na maioria, no entanto, teimam em dizer que não aceitariam mais do que 40%. Também a ver.

Afinal, Merkel conseguiu uma ampla vitória na votação desta quarta. Apenas 89 deputados dos mais de 600 do Parlamento votaram contra, com algumas poucas abstenções e ausências. Assinale-se que, como já anunciara, a Linke votou contra, argumentando que o novo plano não muda os pressupostos dos anteriores, com que não concorda.

E agora à noite (aqui em Berlim), enquanto redijo estas notas, se avolumam as chegadas a Bruxelas, para o grande match em torno do euro.

Fica a impressão, no entanto, de estarmos diante de remendos e mais remendos, porque os fundamentos da questão não só não são atacados, como sequer, em geral, são visualizados pela maioria dos envolvidos. O “Consenso de Bruxelas” reeditou o moribundo “Consenso de Washington”, nada mais. Fez dos “planos de austeridade” e da redução de direitos e investimentos sociais a panacéia universal. Não faltam comentaristas de todos os matizes (não estou falando de esquerdistas, mas de gente como Krugman e Steglitz) que dizem que a União Européia está fazendo exatamente o contrário do que deveria fazer, que seria aumentar os investimentos sociais, garantir a elevação do poder aquisitivo, animar ao invés de sufocar a economia dos países em crise mais aguda.

A prova disso é o que aconteceu com a Grécia: um ano e meio depois dela ter declarado estado falimentar, os “planos de austeridade” só fizeram piorar a sua situação, quebrando o país completamente, segundo reconhecem FMI, U. E. e Banco Central Europeu, mas que vão continuar a insistir nos mesmos fundamentos, ou, melhor dizendo, “afundamento”. Diga-se de passagem, nessas questões, hoje o FMI está “à esquerda”, se é possível dizer isso, de Bruxelas, Frankfurt, Berlim, etc., porque alerta continuamente para a necessidade de reverter o processo recessivo em que a Europa está entrando.

Enquanto isso, o brejo se aproxima rapidamente: já dá para sentir o cheiro do pântano. Haja adrenalina!

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