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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Sete bilhões de humanos. E a humanidade por construir

O mundo está a poucos dias de atingir uma população de sete bilhões de habitantes. A previsão da ONU é de que esse divisor será alcançado no dia 31 de outubro, próxima segunda feira. A marca redonda, superlativa, leva água ao moinho dos apelos neomalthisianos que tem conquistado adeptos aqui e alhures. Escudado na justa preocupação com o equilíbrio ambiental, o neomalthusianismo pega carona num boa causa para rejuvenescer um velho truque histórico: atribuir a pobreza ao excesso de pobres.

O planeta vive hoje uma crise endogâmica, ambiental e econômica. A superação de uma não se fará sem a equação da outra. Mas há hierarquia entre causas e efeitos. Não é a demografia que explica as conexões entre miséria, fome e devastação ecológica. Há uma devastação precedente sempre omitida nas manchetes 'demografóbicas': a concentração histórica de poder econômico e político que acarreta a exploração devastadora de ‘recursos’ humanos e naturais. Um dado resume todos os demais: 20% da população mundial consome 80% dos recursos que formam as bases da vida na Terra. Ainda que os demais 80% da demografia 'excedente' fossem exterminados, o padrão de consumo capitalista, e o desperdício intrínseco a ele, continuaria a fazer estragos estruturais no planeta. A desordem exacerbada pelo colapso neoliberal tende a acentuá-los. Ela amplifica a miséria numa ponta e justifica a procrastinação temerária de acordos e medidas cautelares para refrear a rapinagem ambiental na outra. A salvação das finanças ocupa as atenções e os recursos disponíveis na agenda do mundo: não há 'sobras' para acudir a fome, tampouco espaço para investir em reordenação ambiental.

Esse segundo plano ameaça a relevância da Cúpula da Terra, a Rio 2012. Será necessário uma mobilização política contundente para romper a blindagem financista predominante na agenda da crise e incorporar os reais interesses da humanidade e do planeta na reordenação da economia mundial. Isso não se faz com tergiversações demográficas que ofuscam em vez de iluminar a raiz dos problemas.

Cerca de 1,1 bilhão de pessoas sobrevivem com menos de 1 dólar por dia e 2,8 bilhões subsistem com menos de 2 dólares/dia nesse momento. A infância da humanidade, formada por dois bilhões de crianças, tem a metade de seus protagonistas aprisionados no redil da pobreza e da insegurança alimentar. A OIT (Organização Internacional do Trabalho) explica como se dá a transmissão geracional da exclusão: quatro em cada dez trabalhadores do mundo são pobres e a natalidade evolui na razão inversa da curva de renda. O colapso neoliberal adicionou mais 30 milhões de desempregados às ruas: hoje são mais de 200 milhões em todo o planeta. Entre os que estão empregados, 1,3 bilhão ganham até dois dólares por dia; 489,7 milhões ganham menos de 1 dólar/dia. Dados da ONU e do Banco Mundial indicam que 80% da humanidade vive com menos de dez dólares por dia.

A especulação no mercado de commodities, que inflaciona os preços dos alimentos e multiplica a fome, reúne hoje recursos da ordem de US$ 400 bilhões de dólares. Quatrocentas vezes o orçamento anual da FAO, principal organismo de cooperação voltado para o desenvolvimento agrícola e a segurança alimentar. Nos anos 80, antes da desregulação neoliberal, o volume total aplicado em contratos especulativos era inferior a US$ 20 bilhões.

Esse é o pano de fundo sobre o qual será decidida a sorte de sete bilhões de seres humanos. Não há solução demográfica para o seu destino. O verdadeiro desafio é humanizar a sociedade humana.

Postado por Saul Leblon 

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