por Marcio Pochmann, do Valor Econômico
Na virada do século XX, a avalanche neoliberal atingiu praticamente   todos os países, cada um a seu modo. No âmbito do trabalho, por exemplo,   o neoliberalismo atacou o desemprego gerado pela ausência do dinamismo   econômico por meio da desregulamentação do mercado de trabalho.
Naquela época, difundiu-se equivocadamente que a solução única para o   desemprego seria a ocupação da mão de obra com salário menor e direito   social e trabalhista a menos. Ou seja, uma alternativa inventada que   procurava substituir o desemprego pela precarização do trabalho.
No Brasil, a onda neoliberal a partir do final da  década de 1980 não  se traduziu em reforma ampla e profunda do marco  regulatório do  mercado de trabalho, ainda que não faltassem propostas  nesse sentido.  Mesmo assim, o fenômeno da terceirização da mão de obra  terminou tendo  efeito inegável, com remuneração reduzida à metade dos  que exercem a  mesma função sem ser terceirizados e rotatividade no posto  de trabalho  superior a mais de duas vezes.
Em síntese, a terceirização do trabalho ganhou importância a partir   dos anos 1990, coincidindo com o movimento de abertura comercial e de   desregulação dos contratos de trabalho. Ao mesmo tempo, a estabilidade   monetária alcançada a partir de 1994 vigorou associada à prevalência de   ambiente competitivo desfavorável ao funcionamento do mercado interno.   Ou seja, baixo dinamismo econômico, com contida geração de empregos em   meio à taxa de câmbio valorizada e altas taxas de juros. Frente ao   desemprego crescente e de ofertas de postos de trabalho precários, as   possibilidades de atuação sindical exitosas foram diminutas.
Atualmente, o trabalho terceirizado perdeu importância relativa em   relação ao total do emprego formal gerado no Brasil, embora seja   crescente a expansão absoluta dos empregos formais. Por serem postos de   trabalho de menor remuneração e maior descontinuidade contratual, os   empregos terceirizados atendem fundamentalmente à mão de obra de salário   de base. Dessa forma, as ocupações criadas em torno do processo de   terceirização do trabalho tendem a se concentrar na base da pirâmide   social brasileira. O uso da terceirização da mão de obra tem se   expandido fundamentalmente pelo setor de serviços, embora esteja   presente em todos os ramos do setor produtivo.
Na passagem para o século XXI, o país perseguiu duas dinâmicas   distintas na terceirização do trabalho. A primeira observada durante a   década de 1990, quando a combinação da recessão econômica com abertura   comercial resultou no corte generalizado do emprego. Na sequência da   estabilização monetária estabelecida pelo Plano Real, que trouxe impacto   significativo na redefinição da estrutura de preços e competição no   interior do setor produtivo, o Enunciado 331 do Tribunal Superior do   Trabalho estabeleceu os setores cabíveis à terceirização da mão de obra,   concedendo segurança jurídica às empresas.
Nesse contexto, a taxa de terceirização registrou patamar inédito,   passando de cerca de 10% do saldo líquido dos empregos gerados no estado   de São Paulo no início da década de 1990 para mais de 90% no começo da   década de 2000. Com salário equivalente à metade do recebido pelo   trabalhador normal, os terceirizados avançaram sobre os poucos empregos   formais gerados, sem que ocorresse redução da taxa total de desemprego –   a qual saiu de 8,7%, em 1989, para 19,3%, em 1999, na Região   Metropolitana de São Paulo.
Não obstante o apelo à redução do custo do emprego da força de   trabalho estimulado pela terceirização, inclusive com o aparecimento de   empresas sem empregados, em meio às condições da estabilidade monetária   com altas taxas de juros reais e valorização do real, o sindicalismo   reagiu evitando o mal maior. Mesmo diante de competição interempresarial   mais acirrada, houve elevação da taxa de sindicalização, com avanço  das  negociações coletivas de trabalho e inclusão na legislação social e   trabalhista.
A segunda dinâmica na trajetória da contratação de empregos formais   ganhou importância a partir da década de 2000. Entre os anos de 2000 e   2010, a taxa de terceirização passou de 97,6% para 13,6% do saldo   líquido de empregos formais gerados no estado de São Paulo. Nesse mesmo   período, a taxa de desemprego caiu 28,5%, passando de 19,3%, em 1999,   para 13,8%, em 2009, na Região Metropolitana de São Paulo. Apesar disso,   o salário recebido pelo terceirizado continuou equivalendo apenas à   metade daquele do trabalhador não
terceirizado.

Os sindicatos tiveram conquistas importantes, com maior organização   na construção dos acordos coletivos de trabalho. A Justiça do Trabalho, o   Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Emprego e Trabalho   assumiram papel fundamental. Mas sem regulação decente da terceirização,   parcela das ocupações permanece submetida à precarização no Brasil.   Como pode o mesmo trabalho exercido receber somente a metade, por conta   de diferente regime de contratação? Caso mais grave parece ocorrer no   interior do setor público, que licita a contratação da terceirização da   mão de obra pagando até 10 vezes mais o custo de um servidor concursado   para o exercício da mesma função.
O país precisa virar a página da regressão socioeconômica imposta   pelo neoliberalismo no final do século XX. A redução no grau de   desigualdade na contratação de trabalhadores terceirizados pode ocorrer.   Com a regulação decente a ser urgentemente estabelecida poderia haver   melhor cenário para evitar a manutenção das enormes distâncias nas   condições de trabalho que separam os empregados terceirizados dos não   terceirizados.

Nenhum comentário:
Postar um comentário