Até onde seríamos o “País do Futebol”, os resultados das últimas copas dizem que já não é bem assim. Mas o carnaval continua incólume. No Brasil impregnou-se a idéia de que o carnaval explicaria quase tudo. Seria o nosso diferencial. Daí a reduzir tudo ao carnaval, parece uma boa maneira de não explicar nada.
Enio Squeff
A carnavalização da realidade brasileira já foi usada e repetida em ensaios, teses e principalmente em argumentos falaciosos: as fantasias teriam subido à cabeça de muitos acadêmicos, não só brasileiros. Como a festa é forte e a permissividade invade as telas de TV, com a exposição de moças nuas, pintalgadas de cores em pontos estratégicos ( de modo a fingir que a nudez, no Brasil, não é castigada), o mais seria uma decorrência. Vinícius de Moraes demonizou o sábado – o dia em que, segundo a Bíblia, Deus fez o homem. Se tivesse amaldiçoado o carnaval, o poeta certamente estaria – de cambulhada – explicitando algumas de nossas mazelas, mas só algumas. Até onde seríamos o “País do Futebol”, os resultados das últimas copas dizem que já não é bem assim. Mas o carnaval continua incólume. Seria a nossa marca genética.
Talvez seja essa a razão do esforço de alguns, de a tudo explicarem pelo carnaval. É a única celebração que falta a cada princípio de ano: depois do carnaval, o Brasil começaria, de fato, com os políticos a decidir não se sabe bem o que, os empresários a fechas as contas; e os acadêmicos – mais uma vez – a elucubrarem o quanto de carnaval existe no Brasil, mas também o quanto o carnaval transparece na música de Villa-Lobos, ou o quanto o próprio excele no desempenho do “astro do futebol”, que abusou na sua condição de folião. Conclusão: se cada um se conscientizasse em seu “carnavalismo”, tudo seria mais fácil.
Houve um tempo em que os franceses estimavam ser explicados pela culinária. O próprio general De Gaulle, estadista que marcou época na França, dizia ser extremamente difícil governar um país em que havia um queijo para cada dia do ano. A saber, existiriam algo em torno de 365 marcas de queijo na França. De Gaulle perguntava derrisoriamente: como governar um país tão preocupado com queijos?
Os ingleses sempre se levaram mais a sério – mas um regente inglês, com o complicado nome polonês de Leopold Stokowsky, costumava fustigar seus músicos britânicos, a dizer-lhes, em tom de mofa – que eles, quem sabe, poderiam tocar mais um pouco, um pouquinho só – logo, porém, estariam perante a chávenas fumegantes, já que – e isso ficava implícito – o chá era o que mais lhes importava.
O carnaval é, certamente, uma das ocupações mais importantes para muitos brasileiros. As decisões adiadas para “depois” do carnaval, parecem ter o dom de serem mais acertadas do que as assumidas “antes”. Júlio César, na descrição que faz da Britânia – hoje Inglaterra – remete-se aos druidas e seus costumes: a Inglaterra primitiva seria uma região inóspita, administrada por chefes espirituais bastante estranhos. Era o olhar de um romano que os fazia diferentes. No Brasil impregnou-se a idéia de que o carnaval explicaria quase tudo. Seria o nosso diferencial. Daí a reduzir tudo ao carnaval, parece uma boa maneira de não explicar nada.
Talvez a mitificação, de fato, se reverta. De tanto tornarmos tudo mais ou menos carnavalesco, o carnaval se imporia como uma forma de ver o mundo.
Será?
Não há nada de carnavalesco em Machado de Assis ou em Euclides da Cunha para citar dois antípodas literários brasileiros. O primeiro parece ser referir ao carnaval como um evento normal do calendário cristão – nada que definisse um mundo. Quanto a Euclides, ele mal suportava um dos elementos fundamentais do carnaval, como a música, a qual ele dizia ser refratário. No mais, era um moralista que não tolerava piadas “picantes”.
Não se imagina como reagiria a mulheres seminuas – definidas que tais como um mero eufemismo. Sabe-se que não é bem pelo colorido – nem com plumas ou paetês – que alguém fica ou pode ser considerado vestido ou não. É uma formalidade, mas daí, talvez, o importante do carnaval.
Nele são poucas as fantasias como disfarces. As moças que aparecem na telinha da TV (e, portanto, como expressão, para o mundo), não é preciso insistir que se vestem apenas com lantejoulas e algumas manchas coloridas pelo corpo. Talvez seja o mais próximo ou parecido que herdamos dos índios.
Pero Vaz de Caminha, na sua crônica sobre a terra aportada pela frota de Cabral, surpreende-se que as nativas não cobrissem suas “vergonhas”. Darcy Ribeiro, porém, sempre chamou a atenção para o fato de as índias, ao se cingirem na cintura com um cordão, nunca se consideram despidas. Chamava a atenção que as xinguanas, pelo menos, só se desfazem do cordão para o ato sexual. Trocado em miúdos: ao pintar as “vergonhas”, as moças que se apresentam no carnaval, mas principalmente na TV, imitariam as índias no simbólico, mas com o corpo colorido – tão somente colorido.
Em vez de um cordão, a título de cinto de castidade, as moças se cobrem de cores e de lantejoulas. E aí sobra o insólito: supondo-se que mal se velassem com panos transparentes – já que o erotismo deve ser explícito – muito provavelmente seriam destratadas: ninguém aceitaria a sua nudez descolorida, sem os eufemismos dos coloridos dos adereços. Pode-se tentar uma explicação: a carnavalização impõe códigos – mas explicaria o resto?
Difícil dizer. Sabe-se que relegar as coisas para o espírito carnavalesco do brasileiro, é quase sempre a melhor maneira de não tentar a gênese de muitas de nossas mazelas ou as não menos poucas virtudes. Vinícius de Moraes, de novo, pespegou um aspecto. Os carnavalescos se misturam, há a dança coletiva, as pessoas se espalham e se extravasam num processo alucinante de quase orgia coletiva – um simulacro dela, quem sabe. Como se aprende desde cedo – há toda uma permissividade democrática. Mas o poeta alerta bem ao dizer que todos se fantasiam “de rei ou de pirata ou de jardineira, pra tudo se acabar na quarta-feira”.
Parece, realmente, muito pouco para explicar o Brasil.
Talvez seja essa a razão do esforço de alguns, de a tudo explicarem pelo carnaval. É a única celebração que falta a cada princípio de ano: depois do carnaval, o Brasil começaria, de fato, com os políticos a decidir não se sabe bem o que, os empresários a fechas as contas; e os acadêmicos – mais uma vez – a elucubrarem o quanto de carnaval existe no Brasil, mas também o quanto o carnaval transparece na música de Villa-Lobos, ou o quanto o próprio excele no desempenho do “astro do futebol”, que abusou na sua condição de folião. Conclusão: se cada um se conscientizasse em seu “carnavalismo”, tudo seria mais fácil.
Houve um tempo em que os franceses estimavam ser explicados pela culinária. O próprio general De Gaulle, estadista que marcou época na França, dizia ser extremamente difícil governar um país em que havia um queijo para cada dia do ano. A saber, existiriam algo em torno de 365 marcas de queijo na França. De Gaulle perguntava derrisoriamente: como governar um país tão preocupado com queijos?
Os ingleses sempre se levaram mais a sério – mas um regente inglês, com o complicado nome polonês de Leopold Stokowsky, costumava fustigar seus músicos britânicos, a dizer-lhes, em tom de mofa – que eles, quem sabe, poderiam tocar mais um pouco, um pouquinho só – logo, porém, estariam perante a chávenas fumegantes, já que – e isso ficava implícito – o chá era o que mais lhes importava.
O carnaval é, certamente, uma das ocupações mais importantes para muitos brasileiros. As decisões adiadas para “depois” do carnaval, parecem ter o dom de serem mais acertadas do que as assumidas “antes”. Júlio César, na descrição que faz da Britânia – hoje Inglaterra – remete-se aos druidas e seus costumes: a Inglaterra primitiva seria uma região inóspita, administrada por chefes espirituais bastante estranhos. Era o olhar de um romano que os fazia diferentes. No Brasil impregnou-se a idéia de que o carnaval explicaria quase tudo. Seria o nosso diferencial. Daí a reduzir tudo ao carnaval, parece uma boa maneira de não explicar nada.
Talvez a mitificação, de fato, se reverta. De tanto tornarmos tudo mais ou menos carnavalesco, o carnaval se imporia como uma forma de ver o mundo.
Será?
Não há nada de carnavalesco em Machado de Assis ou em Euclides da Cunha para citar dois antípodas literários brasileiros. O primeiro parece ser referir ao carnaval como um evento normal do calendário cristão – nada que definisse um mundo. Quanto a Euclides, ele mal suportava um dos elementos fundamentais do carnaval, como a música, a qual ele dizia ser refratário. No mais, era um moralista que não tolerava piadas “picantes”.
Não se imagina como reagiria a mulheres seminuas – definidas que tais como um mero eufemismo. Sabe-se que não é bem pelo colorido – nem com plumas ou paetês – que alguém fica ou pode ser considerado vestido ou não. É uma formalidade, mas daí, talvez, o importante do carnaval.
Nele são poucas as fantasias como disfarces. As moças que aparecem na telinha da TV (e, portanto, como expressão, para o mundo), não é preciso insistir que se vestem apenas com lantejoulas e algumas manchas coloridas pelo corpo. Talvez seja o mais próximo ou parecido que herdamos dos índios.
Pero Vaz de Caminha, na sua crônica sobre a terra aportada pela frota de Cabral, surpreende-se que as nativas não cobrissem suas “vergonhas”. Darcy Ribeiro, porém, sempre chamou a atenção para o fato de as índias, ao se cingirem na cintura com um cordão, nunca se consideram despidas. Chamava a atenção que as xinguanas, pelo menos, só se desfazem do cordão para o ato sexual. Trocado em miúdos: ao pintar as “vergonhas”, as moças que se apresentam no carnaval, mas principalmente na TV, imitariam as índias no simbólico, mas com o corpo colorido – tão somente colorido.
Em vez de um cordão, a título de cinto de castidade, as moças se cobrem de cores e de lantejoulas. E aí sobra o insólito: supondo-se que mal se velassem com panos transparentes – já que o erotismo deve ser explícito – muito provavelmente seriam destratadas: ninguém aceitaria a sua nudez descolorida, sem os eufemismos dos coloridos dos adereços. Pode-se tentar uma explicação: a carnavalização impõe códigos – mas explicaria o resto?
Difícil dizer. Sabe-se que relegar as coisas para o espírito carnavalesco do brasileiro, é quase sempre a melhor maneira de não tentar a gênese de muitas de nossas mazelas ou as não menos poucas virtudes. Vinícius de Moraes, de novo, pespegou um aspecto. Os carnavalescos se misturam, há a dança coletiva, as pessoas se espalham e se extravasam num processo alucinante de quase orgia coletiva – um simulacro dela, quem sabe. Como se aprende desde cedo – há toda uma permissividade democrática. Mas o poeta alerta bem ao dizer que todos se fantasiam “de rei ou de pirata ou de jardineira, pra tudo se acabar na quarta-feira”.
Parece, realmente, muito pouco para explicar o Brasil.
Enio Squeff é artista plástico e jornalista.
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