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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Por que Serra paralisa o PT?

Tido como carta fora do baralho depois da derrota de 2010, ex-governador embaralha o jogo, coloca o PSDB contra a parede e embaralha o quadro eleitoral paulistano. O que leva o mais importante partido político brasileiro a ficar na defensiva diante de um rearranjo em parte do conservadorismo brasileiro?

A crescente adoção da agenda ortodoxa na economia por parte do PT – juros elevados, câmbio defasado, privatizações, cortes orçamentários etc. – e a construção de uma base de apoio conservadora no Congresso Nacional acaba de gerar um efeito colateral: a defensiva no terreno eleitoral.

Apesar de estar há nove anos à frente do governo federal e dos presidentes Lula e Dilma exibirem notáveis taxas de aprovação popular, o partido acaba de ficar refém das decisões de José Serra na mais importante disputa do ano, a da prefeitura de São Paulo. Lembremos: o ex-governador foi tido como cachorro morto após a última campanha presidencial e encontra-se isolado no próprio ninho tucano.

Agora Serra coloca não apenas seu partido e as agremiações aliadas (PSDB-DEM-PPS) contra a parede, como paralisa o PMDB e cria confusão na seara petista.

A coligação dos sonhos de Lula e de setores significativos de seu partido era atrair o PSD de Gilberto Kassab, serrista de primeira hora, desarticular a direita fora do governo e dar uma lavada na eleição paulistana. Apesar do ranger de dentes e das vaias contra o Kassab, a articulação ia bem até o início da semana.

Kassab avisara aos petistas: a união só seria abortada se seu antigo mentor adentrasse a raia. Essa possibilidade tem crescido nos últimos dias.

A força das pesquisas


O PT cogitou realizar uma sondagem de opinião para avaliar o quadro. Kassab, de acordo com o Datafolha, é aprovado por apenas 22% dos eleitores da capital. A seu favor pesa o fato de existir uma possível tendência de recuperação de imagem. Levantamento realizado em dezembro atestou que sua gestão era aprovada por apenas 20% dos pesquisados.

Além disso, é bom lembrar que no que importa, isto é, no mundo das aparências, o PT não andaria de mãos dadas com o prefeito a quem sempre fez oposição. Kassab não será candidato, mas algum destacado membro de sua agremiação. O postulante dos sonhos de Lula é Henrique Meirelles, de quem foi um dos principais auxiliares ao tempo que comandava o Banco Central. A dobradinha Haddad-Meirelles, aos olhos da população, seria uma chapa Lula puro sangue.

Objetivamente, não haveria grandes obstáculos a uma coligação com o partido de Kassab. A aproximação apenas sacramenta uma convergência que transforma cada vez mais as disputas eleitorais em comparações sobre competências e capacidade de gerenciamento.

Mais do que qualquer veleidade programática, que na tradição dos primeiros anos do PT consumia exaustivas horas de reuniões e conchavos, o que pesa é o impacto da aliança nas pesquisas de opinião.

Previsibilidade no jogo

A chegada das pesquisas de opinião ao mundo político, pouco antes da II Guerra Mundial, representou um inegável avanço para a consolidação da democracia liberal moderna. Disputas eleitorais, iniciativas de governo e comportamentos de figuras públicas deixaram de ser movidas apenas pelo “faro” e pelo “achismo” e ganharam previsibilidade e controle. Com a difusão dos meios de comunicação, a evolução da publicidade e da psicologia de massas, cada palavra ou gesto emitido por uma liderança deixou de ser algo espontâneo. Frases, ênfases, slogans, cenários, roteiros, viagens e comportamentos tornaram-se produto de meticulosos estudos. “Yes we can”, “Covas, fazendo o que tem de ser feito”, “Lulinha paz e amor”, “Caçador de marajás” etc. são bordões exaustivamente estudados e testados antes de ganharem as ruas.

As pesquisas também deram segurança aos investidores e doadores das campanhas eleitorais. Um grande empresário com negócios junto ao Estado jogará inevitavelmente mais dinheiro na candidatura com maiores chances.

Pesquisas de opinião, financiamento privado e supremacia do marketing são expressões de uma maneira de se organizarem as disputas. O objetivo das campanhas deixa de ser as mudanças que cada postulante almeja fazer na sociedade. As pesquisas buscam detectar preferências e anseios do eleitorado e guiar a ação de candidatos ou governos para o atendimento de tais demandas, sem ferir suscetibilidades ou interesses.

Conta de chegada

Se uma sondagem mostra que o eleitorado é majoritariamente contra a união civil de homossexuais ou se opõe à descriminalização do aborto, o dirigente político entenderá isso como uma risca de giz intransponível. Assim, as diferenças programáticas passam para um segundo plano e qualquer gesto de ousadia é banido. A meta é “falar a língua do eleitor”.

O jogo político deixa de ter estratégias transformadoras e passa a ter apenas movimentos táticos pela manutenção de cargos eletivos. Não se trata daquilo que se convencionou chamar de “taticismo”. Agora a tática é a própria estratégia, que é não perder nunca.

Dessa maneira, os programas tornam-se muito semelhantes. Um candidato propõe construir 500 mil casas populares, outro tem como meta um milhão. O mesmo se dá com escolas, saúde etc. Evidentemente há nuances dentro de um projeto dominante. Por exemplo, o PT realizou uma eficiente política anticíclica, com elevação do salário mínimo e a adoção de políticas sociais focadas, durante a crise de 2008-09. Mas não tocou no essencial da distribuição de renda e riqueza na sociedade, o que o levaria a se chocar com interesses de sua própria base de apoio.

No fundo, em que pesem seus aspectos positivos, as pesquisas de opinião atuam como freio às mudanças e reformas que colidam com o pensamento médio existente na sociedade. O pensamento médio não é neutro. Ele representa a concordância e a aceitação do mundo como ele é. Acaba qualquer veleidade de “disputa por hegemonia” ou algo equivalente. O conservadorismo se legitima e se renova dessa forma.

Inação paralisante

Com tal pano de fundo, é possível entender a surpresa que tomou conta do PT com a volta de José Serra à cena. Ambos disputam os mesmos aliados, o PSD e o PMDB, ambos não tocarão nos grandes interesses imobiliários da cidade, ambos se pautam pela ortodoxia econômica e ambos buscarão as mesmas fontes de financiamento. Repetimos: as diferenças ficam por conta de nuances e matizes.

A ousada articulação de Lula para atrair Kassab está mostrando seus limites diante da mudança de quadro. É bom notar que até agora Serra não disse “sim” ou “não”. Segue na moita.

É um caso a ser estudado. Sua aparente inação paralisa a ação do mais importante partido brasileiro.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

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