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sábado, 31 de dezembro de 2011

O Brasil tem um PIB maior que o da Inglaterra: e daí?

Termos um PIB maior que o da Inglaterra nos estimula em nossa auto-estima, assim como nos faz repensar nossos complexos de vira-latas. Mas continuamos a ostentar índices de pobreza alarmantes, a ter uma mídia assustadoramente medíocre e a não conseguirmos nos alçar culturalmente acima de outras muitas nações, que não têm o mesmo PIB que o nosso.

O anúncio feito por alguns jornais londrinos e, mais tarde, pelo mundo, de que o PIB do Brasil superou o da Inglaterra, talvez tenha estremecido o corações patriótico de alguns brasileiros. O inglês Eric J. Hobsbawm afirmava que a proeminência econômica de certos países nem sempre lhes garantia uma maior relevância cultural. Dava, como exemplo, a Rússia do século XIX: era um país atrasado se comparado aos EUA – que já, na época, ensaiava tornar-se a nação mais poderoso do planeta. E concluía, com toda a razão, que a Rússia, mesmo mais pobre, era culturalmente muito mais avançada. E citava, sem necessariamente escolher autores americanos, os russos Tolstoi, Dostoievsky, Gógol, além dos músicos, como Rimsky Korsakov, Tchaikowsky e Mussorgsky.

Parece não ser necessário, nem conveniente, aliás, os brasileiros querermos emular os ingleses neste item. Museus como a Tate Gallery ou o British Museum, sem falar do Convent Garden, entre muitas outras instituições culturais, impõem a certeza de que o Brasil ainda tem um mundo a construir. Não é apenas uma questão de PIB.

Talvez alguém avente ser difícil mesmo, que o Brasil, a essas alturas, tente qualquer roteiro de pirataria que, bem ou mal, foi um dos fatores de enriquecimento da Inglaterra; ou que nos mobilizemos para nos tornarmos tão bons colonizadores quanto nos permitam nossas forças navais – que não temos - ou nossa vocação belicista - que igualmente nos falta.

Ademais, sem retornar no tempo, teríamos de levar em consideração que já no século XVII, a Inglaterra emergia como o futuro berço da burguesia industrial hegemônica do planeta, enquanto nós, na atualidade, até nos contentamos se tivermos uma indústria de tablets. São considerações às quais os economistas e historiadores acrescentariam certamente um mundo. Pois a isso deveríamos cuidar que emergissem talentos múltiplos como os de Shakespeare, Marlowe, Kipling, Virginia Wolf, Joyce e toda uma infinidade mais.

Ao ser questionado certa vez sobre o futuro dos vinhos californianos, um sommelier francês famoso, avaliou que só uma coisa faltava aos norte-americanos para a sua vinicultura crescer: algumas centenas de anos de cultura.

Digamos, a propósito, que o tamanho de nosso PIB, por mais desmesurado que venha a ser, jamais será suficientemente grande, a curto prazo, para gerar escritores, pintores ou músicos como os ingleses. Se é que o PIB conte alguma coisa a mais, para este tipo de mister.

Na verdade, não são questões que sequer possam ser postas na mesa. A Inglaterra não se fez ontem, nem seus artistas e intelectuais montaram seu grande teatro, sua pintura ou a sua portentosa literatura em cima apenas de cifrões; ou de uma hora pra outra, em condições não muito especiais.

Neste ponto a cultura é seletiva e, sob certos aspectos, extremamente avara. John Constable (1776-1837), grande paisagista inglês- um elo entre a Inglaterra e a França já que muitos pintores franceses se deixaram influenciar por ele, principalmente durante o período impressionista – não tinha fórmulas acabadas para as suas magníficas paisagens. Mas anotava que o céu é que determinava as cores da terra e não o contrário. A ser válida essa formulação, haveria que definir a cor do céu brasileiro; ou estabelecer como fundamentais as formações das nuvens, em cachos, não raro borrascosos, como na Grã-Bretanha. Muitos brasileiros talvez não saibam o que seja isso – mas grande parte dos britânicos não só sabe – tem, como razão inquestionável para se orgulharem do que são, a certeza de que, sem algumas dezenas ou centenas de anos, não se constroem civilizações.

Evidentemente as coisas são relativas. Não fosse o verde esplêndido e quase pastoso, os ingleses não teriam impulsionado a pintura do outro lado do canal da Mancha. E presumivelmente a pintura mundial. Sem a predominância da marinha inglesa, os relatos marítimos que fizeram um escritor polonês, como Conrad tornar-se um dos maiores romancistas da língua inglesa do século XX, seria impensável, assim como Defoe, Stevenson, e sabe-se lá quantos mais, . Nada de comparações, portanto – mesmo porque não foi tanto o Brasil que viu aumentado o seu Produto Interno Bruto, mas a Inglaterra que viu decair o seu; e por obra e graça de uma crise assustadora que ameaça a existência do euro e do mundo. No entanto, questões do tipo, dão o que pensar.

Na área cultural, que é o que interessa, o Brasil talvez precisasse menos de um PIB alto, do que de uma melhor distribuição da sua riqueza cultural. Machado de Assis admirava a literatura inglesa. Laurence Sterne. Defoe, e Fielding, entre outros, foram marcantes na sua literatura. Um de seus críticos mais categorizados, Roberto Schwartz, chega a incluir Machado no que ficou conhecido como “literatura vitoriana” – numa clara referência à era que recebeu o nome da longeva soberana inglesa e que marca o apogeu do Império Britânico. Difícil, a rigor, dimensionar o PIB com outro produto não tão bruto, como o cultural – aquilo que seria o nosso Produto Interno Cultural – o PIC (se isso existisse como tal) – e o quanto o nossa razoável condição econômica deve ao algo combalido Império Britânico.

Não é uma dívida gratuita. A Inglaterra impôs-se ao mundo tanto com suas canhoneiras bem assestadas, para destruir qualquer país, quanto com a sua língua, para desmilingüir qualquer cultura.

Numa certa medida, as coisas sempre se confundiram. E quando faltasse uma coisa ou outra, era comum os ingleses, literal e simplesmente varrerem certos países do mapa. Um dos episódios mais derrisórios desta situação se deu quando a rainha Vitória soube dos ultrajes recebidos por um embaixador inglês na Bolívia. O homem teria sido explicitamente espancado; e quando a soberana tomou conhecimento do fato, não hesitou em mobilizar o alto almirantado britânico. Queria porque queria dar uma lição ao país latino-americano. Em seus planos, deveria certamente pensar num bombardeio ou coisa que o valha. A pobre Bolívia saberia com quem estava lidando. Ocorre que só a caro custo os militares ingleses conseguiram convencer a rainha de que punir a Bolívia, era quase impossível. E a razão simplória é que, sem mar, era praticamente inadmissível atravessar outros países soberanos com um exército – fosse o Chile ou o Peru – até chegar a qualquer cidade boliviana, no altiplano. Além disso, como bombardear, desde navios, um país insular? Foi quando a rainha pediu um mapa. E se deparou então com a realidade que ela não queria admitir. Foi-lhe bastante, entretanto, ter uma carta geográfica a sua frente: com uma pena ou coisa que o valha, riscou a Bolívia e declarou-a “inexistente” para o Império Inglês. A Bolívia, enfim, só viria a reaparecer, anos mais tarde, quando, então, a rainha Vitória já tinha desaparecido. E a Bolívia voltou, quase que gratuitamente, a constar do planeta terra.

Claro, termos um PIB maior que o da Inglaterra nos estimula em nossa auto-estima, assim como nos faz repensar nossos complexos de vira-latas. Mas continuamos a ostentar índices de pobreza alarmantes, a ter uma mídia assustadoramente medíocre e a não conseguirmos nos alçar culturalmente acima de outras muitas nações, que não têm o mesmo PIB que o nosso.

Certa vez, um crítico de música brasileiro perguntou a um compositor inglês, quantas orquestra sinfônicas existiam em Londres. Ele citou, sem pestanejar: “cinco”. E quando o crítico insistiu sobre a qualidade delas, qual seria a melhor, qual a mais homogênea, essas coisas, ele não hesitou, de novo: não sabia. É que todas eram excelentes.

Talvez seja essa a questão: ela não se mede por qualquer PIB, mas são, afinal, juntamente bibliotecas, movimentos culturais, menos analfabetismo grande música ,etc. etc. o que realmente importa. Neste caso, porém...

Enio Squeff é artista plástico e jornalista.

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