Está previsto para terminar nesta sexta-feira (10), no Supremo
Tribunal Federal (STF), o julgamento de uma lei de Rondônia que proíbe a
linguagem neutra na grade curricular, no material didático das escolas públicas
e privadas do Estado e em concursos públicos. A aplicação da lei foi suspensa
de forma liminar em novembro de 2021 pelo ministro Edson Fachin, relator da
ação. O magistrado entendeu que legislar sobre diretrizes e bases da educação é
competência privativa da União. A decisão plena do STF deve atingir leis
semelhantes aprovadas em outros Estados e municípios.
O que é linguagem neutra?
A linguagem neutra, também conhecida como linguagem não binária, evita
o uso dos gêneros tradicionalmente aceitos pela sociedade (masculino e
feminino), com o intuito de tornar a comunicação mais inclusiva e menos
sexista.
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Bandeira com as cores que representam não-binários - Imagem Internet. |
Nessa linguagem, os artigos feminino e masculino, como "a" e
"o", são substituídos por um "x", "e" ou
"@". A palavra "todos" ou "todas", por exemplo,
na linguagem neutra ficaria "todes", "todxs" ou
"tod@s". Há quem defenda, ainda, o uso do termo "elu" (no
lugar de "ele" ou "ela") para se referir a qualquer um,
independentemente do gênero. Essa modalidade tem enfrentado oposição de grupos
conservadores, entre eles alguns ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL),
sob o argumento de que essas variações não são reconhecidas pela norma culta do
idioma.
Nos últimos anos, parlamentares apoiadores de Bolsonaro investiram, no
Legislativo, na promoção de leis que vedam o seu uso. Já o governo Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) passou a adotar o pronome neutro 'todes' em eventos e
cerimônias oficiais. "Boa tarde a todos, a todas e todes", disse o
ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao abrir o discurso de
posse no dia 3, gesto que se repetiu em outros atos ao longo dos dias
seguintes. Segundo Fachin, no exercício de sua competência constitucional, a
União editou a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Com base nela, o Ministério da Educação fixa os parâmetros
curriculares nacionais, que estabelecem como objetivo o conhecimento e a
valorização das diferentes variedades da língua portuguesa, a fim de combater o
preconceito linguístico. Para Fachin, ao proibir determinado uso da linguagem,
a lei estadual atenta contra as normas editadas pela União, no exercício de sua
competência privativa. "A pretexto de valorizar a norma culta, ela acaba
por proibir uma forma de expressão. Questões que digam respeito ao ensino e ao
aprendizado da Língua Portuguesa, de caráter obrigatório - o que abrange o
conhecimento de formas diversas e alternativas de expressão, de caráter formal
e informal -, estão inseridas nesse espaço normativo, de aplicação
nacional", escreveu. O ministro lembrou que as razões trazidas ao processo
pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria Geral da República
(PGR) "evidenciam o vício formal de inconstitucionalidade da norma, motivo
pelo qual, acolhendo-as, julgo procedente a presente ação direta para declarar
a inconstitucionalidade da Lei do Estado de Rondônia n. 5.123/2021.
Em seu voto, ele propôs a fixação da seguinte tese de que "norma
estadual que, a pretexto de proteger os estudantes, proíbe modalidade de uso da
língua portuguesa viola a competência legislativa da União".
Autor da lei falou em 'aberração'
A lei estadual resultou de um projeto do deputado Eyder Brasil (PL),
aprovado pela Assembleia Legislativa de Rondônia em setembro de 2021. Na época,
o parlamentar defendeu que a linguagem neutra seria uma interferência
ideológica no uso da língua padrão.
"Temos de valorizar a língua portuguesa culta em nossas políticas
educacionais e impedir que os direitos de nossos estudantes sejam violados e
que essa aberração seja aplicada nas escolas do nosso estado", disse. Após
a lei ser sancionada, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Estabelecimentos de Ensino (Contee) entrou com ação direta de
inconstitucionalidade pedindo ao STF a revogação da norma. A entidade sustentou
que a lei apresenta preconceitos e intolerâncias incompatíveis com a ordem
democrática e com valores humanos.
Em relação ao conteúdo da lei, Fachin explicou que o uso da linguagem
neutra ou inclusiva visa a combater preconceitos linguísticos, que subordinam
um gênero a outro, e sua adoção tem sido frequente em órgãos públicos de
diversos países e organizações internacionais. Segundo ele, seria difícil
imaginar a compatibilidade entre essa proibição e a liberdade de expressão
garantida constitucionalmente.
Para Fachin, a proibição imposta pela lei de Rondônia é censura
prévia, prática banida pela legislação nacional. Ele lembrou ainda que o STF já
decidiu que o direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade e a
expressão de gênero e, também, que a identidade de gênero é a manifestação da
própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o
papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. "Proibir que a pessoa possa
se expressar livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibida pelo
Estado."
Fachin ressaltou que a norma tem aplicação no contexto escolar,
ambiente em que, segundo a Constituição, deve prevalecer não apenas a igualdade
plena, mas também a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber.
Como ocorrerá a votação?
Em plenário virtual, os ministros do Supremo decidem se acompanham ou
divergem do entendimento do relator. A decisão deve produzir o chamado efeito
vinculante, firmando entendimento a ser aplicado em casos similares.
Como o julgamento é virtual, os ministros apresentam seus votos sem
debate. Se houver pedido de vista, o julgamento será suspenso. Havendo pedido
de destaque, o caso será enviado para o plenário físico da Corte.
Fonte: ECOA UOL